Cerca de cinquenta milhões de brasileiros sofrem de alguma doença mental, segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria. Somos o país com mais pessoas ansiosas e o segundo com mais depressivos no mundo. Esse quadro tem tido forte repercussão no mercado de trabalho. Os transtornos mentais e comportamentais são a 3ª maior causa de afastamento do trabalho, entre 2007 e 2020, segundo dados da Previdência Social.
O problema de saúde mental dos trabalhadores é grave em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu na lista de doenças ocupacionais a síndrome de burnout, que era considerada uma doença comum. Como era de se esperar, os problemas de saúde mental ficaram ainda piores em razão da pandemia e chegamos ao ponto de ter pedidos de demissão em massa, motivados por questões relacionadas à qualidade de vida, em diversos países do mundo, incluindo o Brasil. O fenômeno foi batizado de “A Grande Renúncia”.
No Brasil, a quantidade de pedidos de demissão bateu recorde. Claro que existem outros motivos para pessoas terem abandonado o trabalho, mas os pesquisadores que buscaram as causas disso têm confirmado que a qualidade de vida está entre as prioridades dos profissionais que desistiram de seus cargos.
O que são doenças ocupacionais?
Um aspecto fundamental para se ter qualidade de vida é a saúde mental. Por isso, é importante entendermos como o trabalho pode afetá-la. A OMS define como doença ocupacional os problemas de saúde decorrentes da exposição a fatores de risco relacionados à atividade profissional, afetando a saúde física ou mental do trabalhador.
Vamos focar na saúde mental. Um clima organizacional negativo, por exemplo, pode ser o gatilho para vários problemas de saúde. Excesso de cobrança, insegurança sobre a permanência na empresa, comunicação pouco clara, falta de perspectiva de crescimento na organização, relações difíceis com colegas e líderes …. Elementos como esses, presentes de maneira constante por um longo período, podem gerar um estresse crônico, o que está entre as causas da síndrome de burnout, por exemplo.
Um estudo de 2022, realizado pela empresa de pesquisa Opinion Box, em parceria com a plataforma de terapia online Vittude, traz dados relevantes: 61% das pessoas já tiveram a sua saúde mental prejudicada pelo trabalho e 70% afirmam que as empresas não sabem lidar corretamente com a questão. São números altos que demonstram como as corporações em nosso país ainda estão engatinhando na área.
Além de afetar a vida do trabalhador, as doenças ocupacionais podem ter uma repercussão muito negativa no planejamento financeiro da empresa.
Qual o custo disso para as empresas?
Trabalhadores doentes costumam apresentar ausências ao trabalho mais frequentes e maiores, além de presenteísmo (estar presente ao trabalho mas não produzir) e relações interpessoais piores. Tudo isso leva à queda de produtividade pessoal e, consequentemente, interfere nos resultados da organização.
Deslocamento de função para tentar adaptar o trabalhador doente, treinamento dele e de seu substituto geram atrasos no cronograma de entregas da empresa e, consequentemente, prejuízos financeiros. Se o funcionário pede demissão, o custo é ainda maior, pois envolve multas contratuais, encargos trabalhistas do funcionário que está saindo e todo o custo de contratação do seu substituto, o que inclui recrutamento, seleção, treinamento, adaptação. Ou seja, haverá um investimento de tempo e dinheiro que poderia ser evitado.
É preciso entender, portanto, que substituir o profissional que não está saudável, além de não resolver a raiz do problema, ainda representa um custo maior do que ter um ambiente de trabalho favorável. De acordo com o Work Institute, os gastos da empresa para desligar um funcionário e contratar outro chegam a 33,3% do valor do salário anual.
Isso tem preocupado os empresários, pois o índice de turnover tem aumentado muito na última década. O relatório de retenção do Work Institute de 2020 mostra que as demissões voluntárias custaram mais de 63 bilhões de dólares às empresas americanas em 2019. A passos largos, esse custo vem crescendo desde 2011.
Fica claro que a melhor saída é tentar fidelizar os trabalhadores, aumentando a retenção dos talentos na empresa. Mas como fazer isso? Minha experiência e os anos de pesquisas levam a crer que o mentoring autêntico pode ser um excelente caminho.
O que é mentoring autêntico?
Certamente, você já ouviu falar em mentoring e é provável que conheça alguém que se intitule mentor/a. Mas pouca gente sabe o que é mentoring autêntico de fato. Por isso, acho importante trazer o conceito, com base no que os estudos acadêmicos e a prática de mercado apresentam.
Mentoring autêntico é um processo que acontece em relacionamentos em que uma pessoa que tem conhecimento e experiência em determinada área utiliza essa bagagem para estimular o desenvolvimento de outra pessoa nessa mesma área.
Quem promove o desenvolvimento é o/a mentor/a e quem recebe a ajuda do/a mentor/a é o/a mentorado/a. O que aqui se chama desenvolvimento se traduz, essencialmente, pelo ganho de conhecimento do mentorado naquela área em que o mentor tem domínio. Mas o mentoring autêntico vai além de oferecer conhecimento.
No mentoring autêntico, entre mentor/a e mentorado/a existe uma relação de confiança com abertura relacional entre eles, em clima de acolhimento e respeito, suporte emocional, escuta ativa, aconselhamento, entre outros aspectos. A depender do grau de abertura que essa relação atinja, pode ocorrer até uma amizade pessoal, embora esse avanço relacional não seja uma exigência..
A verdade é que isso não é algo novo. E mentoring não é mais um modismo. O mentoring existe desde que um primeiro ser humano resolveu compartilhar seu conhecimento e experiência em alguma área com alguém que precisava se desenvolver nessa mesma área. E isso remonta aos primórdios da humanidade… O que fazemos hoje é apenas dar a esse recurso um método para que seja aplicado com autenticidade e com o máximo de segurança e de resultados.
Como o mentoring autêntico pode ajudar a saúde mental dos trabalhadores?
Tendo em vista as funções previstas numa relação entre mentor/a e mentorado/a, é fácil concluir que o mentoring autêntico pode gerar segurança e satisfação para os mentorados e, consequentemente, tornar o ambiente organizacional mais harmônico, colaborativo, fluido e saudável.
Parece-me que uma imensa parte dos problemas que resultam em altos índices de turnover e, mais recentemente, na Grande Renúncia, está na incapacidade ou indisponibilidade dos líderes de ouvir os trabalhadores para entender suas insatisfações e, assim, entender e promover o suporte e as mudanças necessárias e possíveis. O mentoring autêntico pode ajudar a mudar esse quadro.
Além da escuta ativa, ainda falta na maioria das organizações um investimento real na construção e no fortalecimento de redes colaborativas de compartilhamento de conhecimento. Essas redes possibilitam o desenvolvimento contínuo dos profissionais com base em objetivos alinhados com as necessidades deles e as da empresa. O mentoring autêntico pode ajudar a construir essas interligações.
O alinhamento assim conseguido contribui para a criação de um senso de pertencimento e identidade nos colaboradores, favorecendo ainda a construção de relações saudáveis entre as pessoas.
Mas, para se ter uma cultura organizacional realmente baseada no mentoring, o exemplo precisa vir de cima. Ou seja, é preciso que as pessoas que ocupam os cargos de liderança também se comportem como mentores autênticos de suas equipes.
Como o líder mentor pode contribuir para a saúde mental do trabalhador?
Percebo que há um sentimento geral de fracasso do estilo de liderança tradicional, o tipo comando-e-controle. Os colaboradores não aguentam mais as pressões que decorrem dessa forma de gerir pessoas. É urgente, portanto, adotar um modelo que leve em conta o relacionamento com os liderados. Afinal, como dizia Peter Drucker, acima de serem empregados, eles são pessoas. O modelo de liderança mentora existe para enfrentar esse problema.
De acordo com Larissa Marques, mentora autêntica em saúde e bem-estar corporativo e fundadora da LifeSprint – Gestão de Saúde, isso parte de uma desconexão com as próprias emoções. “O líder é a primeira pessoa que precisa passar por esse processo de alfabetização emocional, para que, a partir do seu crescimento pessoal, ele entenda como servir ao desenvolvimento do outro”, explica Larissa.
Com sua experiência de entregar soluções de saúde e bem-estar para empresas, Larissa constata: “Quando as empresas entendem que o que as pessoas fazem é o reflexo de quem elas são e como estão, os indicadores de produtividade, saúde e performance respondem positivamente.” Líderes com atitudes e comportamentos de mentor entendem isso. É o que tenho testado e comprovado nas organizações em que faço treinamento e consultoria em liderança mentora.
Líderes mentores são profissionais que se preocupam com a satisfação da equipe, que estão atentos a questões como: “Os colaboradores entendem o motivo de estarem trabalhando aqui?”, “Eles sabem qual é o propósito da organização?”, “O propósito organizacional está alinhado com os interesses dos funcionários?”. Esses aspectos estão sempre na mente do/a líder mentor/a, pois ele/a naturalmente se conecta com as pessoas, gosta de compartilhar seus conhecimentos, oferece escuta ativa e aconselhamento, sabe dar feedbacks construtivos e se preocupa com o desenvolvimento dos colaboradores, indicando oportunidades de crescimento no trabalho e na carreira.
Líderes como esses fazem muito bem para a saúde mental dos colaboradores, além de servirem como inspiração, ensinando pelo exemplo. Por tudo isso, posso afirmar que líderes mentores são fundamentais para evitar doenças ocupacionais, mantendo as equipes saudáveis, retendo talentos na empresa e contribuindo decisivamente para os resultados organizacionais.