Professora universitária, consultora, Diretora Executiva de fomento a boas práticas da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e mentora de liderança e comportamento organizacional para líderes e empresários, Andréa Salsa conta nesta entrevista como faz para transformar líderes “tratores” em líderes humanos e eficientes. Muito da sua experiência vem da atuação na Rede Globo, onde trabalhou por 16 anos, dos quais 9 como executiva corporativa, tendo gerenciado inúmeras crises ao longo de sua carreira. Confira!
Como você se tornou mentora, Andréa?
Eu pedi demissão da Rede Globo em 2018, porque eu encontrei no meio do caminho uma liderança exemplo do que eu não queria ser e aí ficou insustentável. Tomei essa decisão porque para mim precisa fazer sentido para quem e para o quê estou a serviço. Não foi fácil, porque havia muita coisa em jogo, inclusive o aspecto financeiro, mas eu escolhi apostar nos meus valores. Assim que eu saí, 15 dias depois, uma pessoa me ligou perguntando se eu era coach. Eu falei que não tinha formação em coaching. Aí a pessoa perguntou se eu fazia mentoring e eu falei: “O que é mentoring?”. No fim das contas, ela queria que eu orientasse uma profissional que tinha acabado de ser promovida a gerente de Recursos Humanos de uma grande empresa. Aí eu fui pesquisar o que era mentoria e percebi que eu poderia ser mentora e comecei a fazer esse atendimento.
Quais meios utiliza para divulgar seu trabalho com mentoring?
O meu trabalho é muito boca a boca. Os meus mentorados vão me indicando e eu gosto desse modelo mais orgânico porque a pessoa vem com menos barreiras e mais receptiva ao processo. É ela quem te escolhe e você não precisa se vender. Aí foram aparecendo vários mentorados, por isso que eu fui para o curso do Paulo. E o curso dele é incrível porque ele dá essa coisa da autonomia, de que eu gosto. Eu tenho rejeição a caixinha, sabe, “todo mundo tem que fazer aquele passo-a-passo”. Eu tinha criado a minha metodologia. Eu já sou uma pessoa que cria metodologia em tudo e eu me identifiquei muito, porque ele traz uma metodologia também. Mas ele disse uma coisa que eu adorei: “Gente, isso é o que funciona para mim. Olhem para a realidade de vocês e adaptem”. E isso era tudo o que eu queria ouvir, sabe? Porque eu não queria abrir mão das coisas que eu fazia e já funcionavam. Nessa flexibilidade que vem como recomendação do Paulo eu acredito e faço. Eu não acho que o que serve pra uma pessoa sirva para todas, porque as pessoas são diferentes.
Verdade. Como você avalia se o processo está dando certo, se o mentorado está evoluindo?
Muitos indicadores de sucesso são avaliações que os mentorados criam com minha ajuda ou provocações de conversas para recebimento de feedback. É nesse momento que vem a resposta. Ou durante o processo aparecem pequenos resultados que vão motivando o mentorado a se manter no processo. Por exemplo, quando o mentorado chega para me mostrar uma mensagem, um presente que recebeu espontaneamente, um bilhete, coisas pequenas que recebeu de um liderado, mas muito simbólicas de que alguma coisa está acontecendo.
Quais os maiores benefícios que você entrega aos seus mentorados?
Eu atendo mentorados em nível de diretoria, superintendência, gerentes com muitos anos. Sabe por que isso? Porque a maior demanda das pessoas é o desenvolvimento de soft skills, é o desenvolvimento de comportamento e de atitude ligados ao relacionamento interpessoal. Eu atendo profissionais muito robustos do ponto de vista de entrega, de entendimento de gestão, mas com muita dificuldade de lidar sobretudo com as novas gerações. Aquele formato comando e obediência está com os dias contados. Eu brinco assim: eu atendo muito trator, pessoas que passam por cima. O que eu vou desenvolvendo com elas é: “Você pode continuar sendo líder de alta performance, mas um líder humanizado. Isso vai potencializar a sua performance, na medida que você consegue reunir hard skills com soft skills”.
O que você faz para convencer líderes com esse perfil a mudar de estilo?
Eu sempre começo o processo de mentoring com um inventário de personalidade. Ele mostra todas as fortalezas e também os riscos comportamentais. Em seguida, faço uma pesquisa com os stakeholders, duas pessoas que estão abaixo, duas, ao lado e duas, acima na hierarquia da organização. E aí quando todas as pessoas falam que fulano é uma pessoa agressiva e que isso dificulta o trabalho em equipe, está provado. Não sou eu que estou falando.
Então eu junto esses dados com o discurso de que o mundo está indo para um lugar em que você precisa desenvolver soft skills. E não é porque os líderes agora são bonzinhos, não. É porque o mundo hoje é tão complexo, que se você não puder contar com as pessoas você não vai conseguir entregar resultado. Você vai precisar montar times de alta performance, e times de alta performance não toleram o estilo comando e obediência. Eles precisam se sentir parte da cadeia produtiva e aí têm que ter muita autoconfiança, muita generosidade para sair do palco e deixar o outro subir. E aí é uma construção.
As mudanças devem ser grandes…
O meu exercício aqui não é transformar o mentorado em outra pessoa. Isso é mentira, gera sofrimento. O meu trabalho é fortalecer as competências positivas da pessoa que tem o estilo trator, por exemplo, que passa por cima de todo mundo. Agora como é que eu continuo sendo trator, desviando o percurso para que eu não precise passar o trator por cima das pessoas? E aí são sutilezas. Os tratores às vezes são pessoas que chegam no trabalho e não dão bom dia para os colaboradores. E a gente trabalha aspectos de ordem diplomática e educacional . Ele vai continuar sendo trator, mas ele vai lembrar da importância da equipe ser bem tratada. Isso é só uma coisinha. Mas daí vêm outras, como não chamar atenção do liderado publicamente… Ele vai refletir sobre o fato de que para chamar a atenção de um liderado, ele tem que levar a pessoa para a sala, para um local reservado. Tem que exercitar a escuta ativa, o que para essas pessoas é muito difícil. São micromudanças de comportamento que na verdade são incrementos. O que eu faço é lapidar o diamante. E aí para eles é incrível.
Que argumentos você utiliza para comprovar que é eficaz ser um líder mentor?
Eu tenho dois princípios que eu deixo muito claros quando começo a receber as pessoas. O meu trabalho de mentoring é em cima de dados e fatos. Eu não sou psicóloga. Esse é um ponto. O outro eu transmito dizendo assim: “Você não está me pagando para eu falar o que você quer ouvir. Você está me pagando pra eu falar o que precisa ser dito”. Quando a pessoa é quem me procura, ela de fato quer ajuda e isso é 80% do caminho. É mais complexo quando eu sou contratada por uma empresa para fazer mentoria com alguém. Aí demora mais um pouco pra construir um vínculo.
Eu começo assim: “É inteligente tratar bem o seu colaborador, porque pessoas aceitas, acolhidas, respeitadas e valorizadas produzem mais. Então vamos ser inteligentes, mesmo que você não acredite que valha a pena ser um ser humano bom, por uma questão de princípio. Então seja inteligente do ponto de vista de negócios, porque pessoas bem tratadas produzem mais. E não sou eu que estou falando: é Harvard, é Stanford. São dados concretos. Então vamos fazer para o bem da sua organização, para a produtividade da sua empresa.” Então eles se conectam com essa linguagem e vão gostando. E o bonito disso é que ser do bem é bom. Quando ele faz uma coisa para uma pessoa e isso reverbera, ele vai aprendendo e vai gostando. E, assim, vai fazendo mais e mais.
Que bonito …
Tem sido muito bonito ver as pessoas se conectando, se conectando inclusive com seu próprio humano. Antes de você se conectar com o humano do outro, você primeiro precisa se conectar com seu eu humano. As pessoas estavam muito afastadas disso, de vulnerabilidades, de ter uma exigência realista.
Eu faço parte de uma geração em que eram criados mitos inatingíveis: aquele líder que sabe todas as respostas, aquele líder que nunca fica frágil, aquele líder que não tem fragilidade emocional. Como isso está vindo muito forte, há uma onda muito bonita de capitalismo consciente, empresas humanizadas, há uma galera surfando nessa onda que se identifica com meu estilo, porque eu sou exatamente isso. Eu acredito numa perspectiva humanizada. Eu não sou aquela abraçadora de árvores. Eu sempre fui muito arrojada e precisei ser pra sobreviver no mundo corporativo, mas eu nunca abri mão de olhar para as pessoas de uma maneira humanizada, inclusive com interesse em produtividade.
Eu tenho uma teoria que diz o seguinte: quando você aceita, acolhe, respeita e valoriza alguém, você tem uma pessoa completamente conectada emocionalmente com a missão da empresa e com as entregas da empresa. O que eu recomendo no meu trabalho como mentora é isto: aceite, acolha, respeite e valorize. Primeiramente, você mesmo, depois o outro, porque muita gente não se aceita, tem baixa autocompaixão, uma exigência muito forte e daí tem muita dificuldade de empatizar com o outro, porque não consegue nem autoempatizar.
O que você recomendaria a alguém que deseja se tornar mentor?
Uma mensagem para quem quer se tornar mentor é ter consciência da responsabilidade. É muita responsabilidade você ser escolhido para ser mentor de alguém. Que você honre essa responsabilidade com seriedade e profissionalismo. Quando as pessoas procuram um mentor e ele não está bem preparado ou bem intencionado, ele pode prejudicar muito a vida da pessoa. Ser mentor é um trabalho lindo, mas precisa ser feito com muita responsabilidade e com muito estudo sempre. É uma profissão como qualquer outra, em que você precisa estar sempre se atualizando. Por isso eu achei legal o movimento do Paulo de criar esse espaço de tira-dúvidas.
E para quem deseja atuar como mentor/a de liderança como você, o que diria?
Você tem a responsabilidade de apoiar pessoas numa dimensão central das organizações. Formar líderes mentores conversa com a transformação do mundo. Essa é a minha missão. Quando eu falo em mudar o mundo, eu falo em mudar as pessoas. Mudar o mundo para se tornar um lugar melhor. Eu carrego nas costas essa responsabilidade. Na hora em que eu estou desenvolvendo os líderes na mentoria, eu não estou apenas preparando essas pessoas para se tornarem melhores líderes naquela organização. Eles necessariamente se tornarão melhores pessoas. Essa é uma crença que eu tenho. Ótimos líderes são ótimas pessoas. E essas pessoas vão exercitar muitas dessas competências na sua casa, na relação com seu filho, no relacionamento com a sociedade, no relacionamento com fornecedores. As suas decisões de negócio começam a ser mais conscientes do ponto de vista do impacto na sociedade. Então é um conceito, inclusive, de sustentabilidade. Por isso eu digo que formar alguém é um trabalho que potencializa a mudança do mundo.
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